Incerteza Viva

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Credits: Nathalia Tone

É um sábado à tarde, por volta das três horas. O sol está alto e o Parque do Ibirapuera vibra. Pessoas de todos os tipos, idades e cores circulam. Estão sentados à grama, tomando sorvete, jogando futebol. Ao centro, o moderno prédio de Oscar Niemeyer, com todas as suas curvas. O que se expõe lá dentro é a 32a Bienal de Arte de São Paulo.

Ao entrar, encontra-se uma estranha cena. Não parece haver uma distinção de obras, e, sim, várias peças que se completam, construindo algo maior. Há árvores de ponta cabeça e salas inteiramente transparentes. Dependendo do horário, uma apresentação que caminha até o meio da floresta. Uma confusão de ideias e de conceitos, uma maluquice que deixa qualquer um bombardeado de perguntas. Uma única palavra que possa definir o que se experienciou: incerteza.

Este é o tema que se estabeleceu para o ano de 2016: Incerteza Viva. Não há melhor descrição. A arte é uma representação da sociedade. A sociedade é um reflexo de cada indivíduo. Quando entramos na Bienal, não há duas pessoas que vivem a mesma experiência. As obras abrangem desde sustentabilidade e meio ambiente até questões de discriminação. Porém, o que vem por trás é muito maior do que vemos no superficial. Esta exposição trata da essência do nosso mundo, estuda a mais profunda cosmologia. Dialoga com a identidade e com o interior da pessoa.

A arte moderna nada mais é que uma grande incerteza. A representação desta pode ser vista na pintura de René Magritte em que se apresenta um cachimbo e as palavras “isto não é um cachimbo” (c’est ne pas une pipe). No momento inicial, quem a vê critica. Claramente, o que se encontra é um cachimbo. Porém, o que está escrito realmente é o mais óbvio. Não é um cachimbo, é a pintura de um cachimbo. Esta questão de ponto de vista, de interpretação, de confusão trabalha com a mente de alguém. A arte moderna pode não agradar a todos, mas cumpre sua função. Incomoda. Mexe com o interior de cada um, trazendo pensamentos e ideias que podem estar guardados no subconsciente.

Não há maneira de lidar com as grandes questões do nosso tempo além de admitir as incertezas. Vivemos em um estado líquido. A natureza da vida é mudar e se adaptar. Por toda a nossa volta as coisas evoluem e deixam um estado de adaptação constante. Por isso, incerteza viva. Mesmo assim, estamos em uma constante busca do certo e do exato. Nada pode ser relativo. Apegamo-nos a binarismos, categorizando os objetos. Alguém é bonito ou feio, chato ou legal, de esquerda ou de direita, preto ou branco… Não há espaço para algo no meio. Buscamos a verdade completa sobre tudo. A grande questão é descobrir a origem do mundo, ou se existe um Deus. Todas as teorias devem ser provadas e não contestadas. Porém, como podemos afirmar que existe somente uma realidade absoluta? Tudo pode estar em aberto, já que vivemos em um estado fluido.

Aplicamos a questão da incerteza para o mundo maior, porém se aplica a cada indivíduo. Na adolescência, só temos dúvidas. Não sabemos quem somos, o que queremos, onde estaremos no dia seguinte. É um estado de viver que pode mudar de uma hora para outra. Essas grandes perguntas interiores não desaparecem ao longo da vida. Porém, se é normal ter dúvidas, por que somos continuamente bombardeados de cobranças pelas respostas? Essa necessidade de categorizar o mundo precisamente não abre espaço para que possamos ser pessoas que crescem e evoluem. Tudo bem ter incertezas, porque nada é exatamente igual a como era ontem.

A arte entra para conturbar, para trazer a todos precisamente esta reflexão. Ela está presente em todos os lugares e afeta a todos nós. Cutuca as grandes perguntas da nossa sociedade. Quem sou eu? O que eu vejo? O que acredito? O que é realidade?  A beleza de poder questionar é imbatível. A maneira como um vê obras um dia não é a mesma que a de outro em outro. Estamos vivos porque mudamos. Na 32a Bienal de Arte, São Paulo irradia incertezas vivas.