Descobrindo o Brasil

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Um homem Maori fazendo uma escultura tradicional; Credits: Bianca Auriemo

É incrível o quanto conhecemos do mundo quando viajamos e exploramos uma área completamente desconhecida. Ao descobrirmos o novo, dialogamos diretamente com nós mesmos. É como um paradoxo louco de viver: precisamos conhecer o que é do outro para reparar no que é nosso. Em outras palavras, só percebemos o que é próprio ao ver o outro. As viagens mais impactantes parecem ser as que trazem uma reflexão interna mais profunda.

Durante as férias de Janeiro, estive na Nova Zelândia. Embora estando literalmente do outro lado do mundo, eu me senti mais próxima à realidade brasileira que nunca. Imersa em uma cultura que mescla a colonização inglesa relativamente recente à cultura polinésia Maori, eu refleti sobre as próprias raízes sob as quais o meu país, o Brasil, se originou.

Isolada no sul do mundo, a Nova Zelândia está habitada há mais de mil anos. Os primeiros desbravadores Maoris chegaram ao país vindos da Polinésia. Desde então, tem-se concretizando uma identidade nacional, estabelecendo artes, tradições, música, gastronomia… Enfim, passou a existir a Nova Zelândia.

A vinda dos ingleses, em 1769, foi especialmente para estabelecer a identidade de nação à Nova Zelândia. O marinheiro James Cook chegou na casa Maori, trazendo consigo a guerra e as doenças. Historicamente falando, a relação colonizador-colonizado nunca foi positiva. Sempre houve uma certa opressão e violência. Porém, em 1840, ambos os partidos assinaram o Tratado de Waitangi, que estabeleceu paz. Não pode-se dizer que os polinésios continuaram sua vida normalmente. Houve uma grande recaída na influência Maori, e por muito tempo houve preconceito. Recentemente, houve um renascimento, e a força dos nativos está muito mais forte.

Se você conversar com guias locais, é provável eles dizerem que os nativos ainda são extremamente oprimidos e marginalizados na sociedade. Porém, na visão dos estrangeiros, a situação dos mesmos é diferente. O turista está imerso na experiência neozelandesa, com direito tanto à sua cultura antiga quanto atual. 14% da população tem origem Maori. A língua indígena está começando a ser introduzida nas escolas. Acima de tudo, a cultura está viva.

Vivi minha vida inteira em São Paulo, filha de país brasileiros e estudante de uma das mais prestigiadas escolas da América Latina. Mesmo assim, precisei pesquisar até as mais básicas informações sobre as nossas tribos nativas. Escrevendo este texto, aprendi, pela primeira vez, sobre tudo que o Brasil era antes de Pedro Álvares Cabral.

Estima-se que, no início, havia cerca de 5 milhões de indígenas no território brasileiro. Hoje, calculam-se aproximadamente 400 mil, muitos dos quais vivem em reservas nacionais. São mais de 200 etnias diferentes e 170 línguas representadas pelo país todo. Para nós, simplificamos todos sob a característica de “índios”.

Enquanto viajava pela Nova Zelândia, refleti sobre minha própria relação com meu país. Eu sei mais sobre a cultura Maori, residente do outro lado do Pacífico, que sobre meus próprios vizinhos e ancestrais. O Brasil, sob o domínio português, abandonou completamente tudo que havia sido construído por séculos, adotando, em troca, uma visão completamente eurocentrista. Portugal não apenas roubou as tribos de seus recursos naturais, mas também grande parte de seu espaço na cultura e no futuro do país.

Na escola, desde pequenos, aprendemos história brasileira a partir do momento da chegada de Cabral. Levo em consideração que muito da cultura local não estava gravada, em textos escritos e, portanto, pode ter sido perdida; porém, há muito que ainda tinha o potencial de ter sido cultivado. Para nós, o história do Brasil começa em 1500, o ano em que fomos “descobertos”.

De muitas formas, para mim, o Brasil ainda está em processo de descobrimento e de construção da sua identidade nacional. Sempre em constante mudança. É interessante pensar que poderíamos ter sido como os neozelandeses. Poderíamos ter usado a cultura que tínhamos e a explorado.

O que aconteceu, porém, foi extremamente diferente. Despedaçamos uma cultura e aos poucos fizemos uso somente dos pedaços que nos interessavam. Como é que vou ter o menor conhecimento ou capacidade de escrever esse texto, se nunca tive a menor exposição à indígenas? Nunca aprendi, conheci, estudei.. Criamos uma imagem generalizada e romantizada do que é um índio e por aí construímos nossa nação.

Será que algum dia ressuscitaremos a influência indígena no Brasil? Acho difícil. Nunca havia ao menos refletido sobre o assunto antes de viajar a outro país. Não fomos descobertos com a chegada de Cabral. Naquele momento fomos invadidos. Ainda não fomos completamente descobertos. Eu descubro o Brasil um pouquinho mais à cada dia.