O aqui e o agora é raramente discutido sem também considerar o presente e o passado. Assim como não podemos falar de vida sem mencionar a morte, do preto sem o branco, do rico sem o pobre, ou do certo sem o errado. O aqui e o agora é apenas o clímax da narrativa, o cinza em um contraste de cores. É parte da experiência humana ver o tempo como linear, em que todos os momentos que nós “realmente vivemos” são agora apenas memórias. É impossível escapar do tempo cronológico.
Sou parte de uma geração extremamente preocupada em cuidadosamente curar memórias inesquecíveis para imortalizar nossa juventude, que às vezes esquecemos de viver. Ironicamente, ao tentar glorificar o presente, nos preocupamos com o futuro, com as memórias, não com as experiências. Portanto, para realmente valorizar um momento presente, é necessário se perguntar: “os ‘momentos presentes’ realmente existem? E, se existem, como podemos identificá-los?”
Passado vs. Futuro
Você já foi a um show e percebeu que 90% da plateia estava filmando o artista, assistindo pela tela do celular? Já saiu para almoçar e viu pessoas fotografando a comida antes de comer? Momentos raros e felizes muitas vezes viram exemplos de como estamos constantemente olhando para o futuro, mesmo quando estamos no aqui e agora.
Eu estudo história e, muitas vezes, me pergunto: “as pessoas que estudo sabiam que estavam formando a história?” É responsabilidade do historiador tentar descrever o presente dessas figuras. Mesmo assim, eles escolhem quais momentos são importantes e esquecem outros. Portanto, é provável que nosso legado e nossas ações acabem sendo esquecidos. Faz sentido, então, nos preocuparmos tanto com memórias? Com essa lógica, podemos autenticamente valorizar o presente no aqui e agora, mesmo sacrificando o futuro.
Presente vs. Punição
Outro jeito de considerar o valor do momento presente é pelo ponto de vista do privilégio. Todos os exemplos que dei não são alcançáveis para toda a população, seja mundial ou brasileira. Também assumi que viver no presente é sempre positivo, quando muitas vezes pode ser o oposto.
É fácil “estar presente no aqui e agora” quando sua vida não tem dificuldades. Um adolescente que vai para a faculdade, que pode pagar, já tem seu futuro parcialmente garantido e pode se permitir essa reflexão; pode viver o presente. Mas um adolescente sem esses recursos não tem escolha: precisa focar no presente para tomar controle do futuro, apenas sobrevivendo. O aqui e agora, inevitável, pode ser uma bênção ou uma punição cruel, dependendo do contexto. O valor do momento não depende apenas da mente, mas também da qualidade da vida que se tem. Além disso, viver no presente frequentemente implica ignorar o passado. Portanto, a idealização de viver o momento romantiza o presente e oferece uma visão reducionista da vida como um todo.
Identidade e Controle
Outros valorizam o presente porque o consideram a única coisa realmente sob seu controle. O passado já aconteceu e o futuro é imprevisível, mas o presente é onde vivem nossas decisões, ações e sentimentos. As consequências determinadas pelo passado, que moldam nosso futuro, se manifestam no presente. Nossa identidade vive no presente.
Considerando cronologia, privilégio, memória, passado, futuro e todas as condições já discutidas, podemos concluir que a forma como realmente valorizamos o momento depende muito da nossa própria identidade. Não podemos controlar nossas identidades no futuro, nem mudar nossas ações do passado, mas nossas escolhas no presente criam um valor próprio, ou seja, um valor que você mesmo decide, sem a opinião de historiadores ou médiuns.