Telencéfalo desenvolvido e polegar opositor

Atos racistas acontecem em nosso país constantemente, mas parece que apenas os que estão relacionados ao futebol vêm à tona. O caso mais recente foi contra o goleiro Aranha, do Santos, que foi discriminado pela torcida do Grêmio. Por causa disso, o time gaúcho foi suspenso da Copa do Brasil pelo Supremo Tribunal de Justiça Desportiva (STJD). Ainda esse ano, o preconceito também repercutiu dentro do campo, mas fora do país, quando Daniel Alves deu uma resposta excepcional à banana atirada em sua direção. Ele simplesmente pegou-a do chão e comeu-a. Foi brilhante. Tornou-se até herói nacional depois de aparecer na capa da revista Veja em maio, como se tivesse levado o racismo ao fim definitivo. Lia-se na capa: “Daniel Alves, da seleção brasileira e do Barcelona, comeu a banana, os racistas dos estádio escorregaram na casca e o preconceito quebrou a cara – talvez para sempre.” Infelizmente, porém, estamos em setembro e o preconceito ainda continua por aqui.

É importante realçar a diferença entre o caso do goleiro Aranha e o de Daniel Alves. Enquanto o goleiro sofria um preconceito exclusivamente racial, Daniel sofria xenofobia. Ambos os casos são graves, é claro, mas as razões diferem. Como o próprio Aranha disse, xingar e provocar é uma atitude normal da torcida adversária, mas existe um limite para tudo, e esse limite é o racismo. É totalmente compreensível, se não esperado, que a torcida adversária vá ofender o jogador, já que seu objetivo é desestabilizá-lo.

Entretanto, quando as razões para essa provocação não surgem do futebol em si, mas de uma característica física, que tem em sua herança uma conotação negativa ainda presente na sociedade brasileira, a ofensa vira crime, e por isso o Grêmio foi punido. Infelizmente, a punição não resolverá esse problema que está presente não apenas no esporte, mas em inúmeras situações do nosso cotidiano. Por muito tempo, acreditava-se que o preconceito racial em nosso país era mínimo, mas percebo, com o passar do tempo, que estou vivendo uma fantasia se continuar a ignorar os racistas.

É muito triste pensar que em pleno século XXI, mais de cem anos sem escravidão, o brasileiro ainda tem a capacidade de classificar uma pessoa como inferior simplesmente por causa da cor de sua pele. Lembro-me também, no começo desse ano, quando os rolezinhos tomavam os shoppings das grandes cidades, que não aceitava o fato de que algumas pessoas culpavam o racismo pela proibição desses movimentos nos centros comercias. Naquela época, eu defendia na verdade, que o preconceito era social e não racial, mas agora repenso se meu argumento era realmente válido.

Recentemente, um pai comprou para seus filhos um par de tênis e, ao sair da loja, foi abordado por PMs. Os policiais militares desculparam-se e disseram tratar-se apenas de um engano, mas o homem barrado e alguns visitantes do shopping, furiosos, consideravam aquilo um ato de racismo. Você dá o veredito. Mas fica claro que o preconceito ainda corrói nossa estrutura social e não pode mais ser ignorado, tem que ser combatido.

O caso de Daniel Alves envolve outras razões, não somente raciais. Daniel Alves, na verdade, não é apenas mulato. Ele é brasileiro. Não é a primeira vez que um brasileiro, independente da sua cor de pele, sofre ofensas xenófobas ao redor do globo. Outros exemplos no futebol nos mostram que, no geral, os brasileiros tratam as ofensas de uma maneira bem profissional. Hulk, por exemplo, marcou um gol logo depois de ouvir o coro imitando macacos, vindo da torcida adversária. Roberto Carlos, por sua vez, preferiu sair de campo. De qualquer jeito, é possível afirmar que existe preconceito fora do país também, e que no futebol há preconceito contra negros, contra brasileiros e contra brasileiros negros.

O racismo, a xenofobia, e qualquer tipo de preconceito deve ser aniquilado da relação social humana e casos como os relatados acima, nos mostram que a situação é muito grave. É ainda mais triste poder pensar que tenho uma lista de outros exemplos que nem mencionei nesse artigo. Se as pessoas estão demonstrando um pensamento coletivo preconceituoso, imagina o pensamento individual… Seja negro, branco, amarelo, o que for, a Ciência já comprovou que somos todos iguais, todos homo sapiens com telencéfalo desenvolvido e polegar opositor. O racismo, portanto, é a maior vergonha de um país que se diz moderno. Antes de qualquer progresso, é preciso ordem. Um conceito tão antiquado como o da superioridade racial, ainda impregnado na mente de tantos brasileiros, não deixa espaço para que exista progresso algum.