Um voyerismo limitado somente pelas configurações do perfil

Sou despertada pelas múltiplas imagens de amigos, familiares, desconhecidos e até celebridades que sequer sabem da minha existência física… Depois do aplicativo da Climatempo, o Instagram é a primeira coisa que abro de manhã, logo seguido do Whatsapp e Facebook. Assim, a trajetória da minha casa à escola todos os dias, como todas as outras locomoções diarias, é quase imperceptível, pois se não vivo no presente, estou no Fashion Week parisiense, nova-iorquino, londrino e até brasileiro dependendo da data. Outras horas estou sonhando com os banquetes de café da manhã e as fotos de “street style” que perfis como The Coveteur oferecem.

Hora estou aqui, hora estou lá… quer dizer, a quem é que estou enganando? Toda a nossa atenção é, muitas vezes, voltada à vida íntima de pessoas que nem cumprimentamos quando vemos. A aproximação é só uma questão de configuração de perfil. Basta duas ações: uma solicitar e um aceitar, e o voyeurismo começa.

A ilusão de intimidade, amplificada pelo voyeurismo, é só mais uma peste oriunda das novas tecnologias, cujo maior atributo vem da constante masturbação psicológica promovida por ideias superficiais, falsamente contextualizadas na privacidade alheia.

Originalmente associado a definição de excitação sexual ou prazer derivado de observar a cópula dos outros independente de qualquer atividade própria,  o termo, que antes era reservado para poucos, geralmente àqueles dos estudos psíquicos, ganhou novo significado na era da tecnologia e das redes sociais. Nas palavras de Márcio Santim, em sua pesquisa “Voyeurismo e mídia”, “atualmente, temos uma ampliação da manifestação voyeurista, pois este tipo de prazer não está mais contido apenas no olhar pessoas se despindo ou tendo relacionamento sexual; contrariamente, também escoa na curiosidade exacerbada em conhecer outros detalhes e momentos da intimidade de alguém, especialmente se o mesmo for um ícone veiculado pela mídia.”

O foco desse voyeurismo, no entanto, vai além de famosos e abrange muitos outros pequenos influenciadores, incluindo pessoas comuns que se integram na pirâmide das redes sociais onde o topo é exclusivo ao raro 1% de “criadores de conteúdo” enquanto a base fica por conta de duas amplas categorias: os amplificadores e voyeuristas de conteúdo, cada qual com suas próprias classificações internas.  Enquanto aquele gera conteúdo,  estes o promovem ou só o observam. Mas, como todos fazemos parte de cada categoria em diferentes momentos, fica difícil estabelecer um título especial para cada usuário, pois somos tanto criadores como também somos culpados por observar a vida pessoal dos outros.

Assistir à escolha da decoração , às refeições, às estripulias dos bichos de estimação e até às reuniões familiares de blogueiras, por exemplo, são provas do nosso voyeurismo nas chamadas redes sociais. O ato em si, junto à mais nova interpretação para o que representa observar e não interagir, se concretiza de várias formas, tornando-se assim uma espécie de catarse social incentivada pelo prazer psicológico que gira em torno de promessas e do simples desejo de ter ao invés do ter efetivo.

A ilusão de intimidade, amplificada pelo voyeurismo, é só mais uma peste oriunda das novas tecnologias, cujo maior atributo vem da constante masturbação psicológica promovida por ideias superficiais, falsamente contextualizadas na privacidade alheia. Um vício visto como perfeitamente adequado na sociedade contemporânea, onde ele não só gera como incita nas pessoas um consumismo desvairados insaciável.

Me assusto ao ver que me encaixo nesse quadro, especialmente quando checo meu feed de notícia infestado por fotos e posts de meus amigos, colegas e, infelizmente, celebridades que sigo, incluindo blogueiras. Trata-se de um fenômeno cuja origem vem diretamente do voyeurismo. Contudo, me conformo e até agradeço a tal fenômeno, pois, se não fosse por isso, também não teria alcançado sucesso com meu próprio blog alguns anos atrás e nem teria construído minha reputação digital.  Por incrível que pareça, louvo e abomino o fato de as redes sociais terem virado veículos de voyeurismo, mas sei que sem elas, talvez meu próprio caráter e minhas próprias ideias, que são constantemente moldadas pelo que vejo online, não seriam antenadas a essa realidade artificial e onipresente.