A era dos “(não) somos cult”

O Brasil pode até ter visto sua taxa de analfabetismo cair ao longo dos anos, sinônimo de melhorias no sistema educacional do país; no entanto, viu também recentemente as piores notas na redação do Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM –  em 2014, resultados que comprovam um outro déficit. Esse não é oriundo da má educação ou, até, da falta da mesma. O problema maior que enfrentamos agora é a falta de acesso à cultura em geral, em todas as suas facetas.

E não quero dizer acesso físico ou econômico, pois isso é o de menos, dada a popularização de centros culturais “na faixa”,  cuja proliferação se dá por conta das mídias, como aconteceu na exposição de Yayoi Kusama em junho do ano passado, ou a instalação de novos veículos comunicativos e de transporte, ambos públicos, em áreas de maior concentração cultural, como o metrô de Pinheiros, vizinho de um dos maiores bairros “artísticos” de São Paulo, a Vila Madalena. O surgimento de ambos, que oferecem, então, opções baratas e de fácil acesso, corrobora a questão do alcance às diferentes manifestações artísticas e culturais na cidade; porém, o problema não acaba por aí.

Quando tudo isso já estiver resolvido, quando o acesso à cultura for igualitário e não houver mais a discriminação territorial do “aqui só vem rico” (um clichê que uma grande parcela da população ainda acredita e impõe a museus e galerias), entrará, primeiro, a discussão fundamental do incentivo e iniciativa do jovem brasileiro, e então o acesso analítico e critico dos mesmos.

Não há iniciativa nem incentivo – suficiente – de escolas públicas para integração de cultura como uma parte imprescindível do ensino. É aqui que a história do Enem entra: talvez seja por isso que “alunos de situação social mais elevada têm melhor desempenho, [eles] têm acesso mais fácil e regular aos canais de difusão da cultura, como os museus, os concertos, os livros e revistas, extensão da própria inserção cultural do pais” como escreveu José de Souza Martins em sua matéria para o jornal Estadão, Inculta e nada bela.

Logo, o problema mais agravante não é só a falta da promoção de tais atividades no âmbito cultural como complementos escolares, mas, sim, a falta de interesse e capacidade do aluno tanto de apreciá-las quanto entendê-las.  Pode ser feito um paralelo com o fenômeno que acontece atualmente na Literatura, com propostas de simplificação de obras de renomes que, por incentivarem a redução do nível cognitivo do aluno, são sinais de um problema muito mais grave do que a simples questão do acesso à informação. O mesmo acontece no meio cultural, uma vez que a disponibilização de cultura e seus respectivos avanços  facilitam o acesso mas inibem a audiência de realmente apreciar e entender uma obra, pois, na era de “todos somos Cult”, uma selfie na frente do Tomie Ohtake ou uma foto de livros e jornais acompanhados de um cafezinho rendem mais likes que uma redação bem escrita, por assim dizer em termos contemporâneos.

Na mesma medida em que essas ações culturais trazem à tona sintomas contrários do esperado, o Enem, que deveria ser a principal fonte de acesso a uma educação superior, passa a ser também valorizado só pelos seus resultados superficiais –  o diploma e a posição da escola num ranking nacional – , e não pela sua capacidade de cultivar e promover sabedoria. Pode ser precipitado questionar a veracidade do diploma como uma prova real de educação, pois é difícil fazer uma generalização sobre uma avaliação com mais de 6 milhões de participantes, mas basta ver a quantidade de zeros na redação que os demais problemas se tornam visíveis.

De forma abstrata, o Enem é uma comprovação dessa troca de sabedoria por likes. Apesar de inicialmente apontar uma desigualdade cultural oriunda da dessemelhança socioeconômica dos alunos, dá visibilidade para uma manifestação cultural da geração do milênio (mais comumente chamada de geração Y ou geração da internet) que abrange todos os jovens, independente de suas situações financeiras ou sociais. De fato, só posso dizer isso porque já me vi à disposição dessa superficialidade provinda da mídia enquanto ia a shows de musica ou exposições. Para o jovem, às vezes a necessidade do reconhecimento externo é mais importante que o do conhecimento interior como um indicativo de aprendizado cultural, por assim dizer,  numa época em que uma foto vale mil palavras.