Um País Pré-Convencional

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Credits: Wikimedia Commons

O estado do Espírito Santo foi abandonado pela Polícia Militar do estado, consequentemente fazendo com que o crime e o medo andem soltos e de mãos dadas pelas ruas da capital. Sem receber um centavo de aumento nos últimos três anos, membros da PM relatam que sofrem diariamente com a escassez de necessidades básicas devido ao salário defasado; porém, mesmo após tentativas para chegar a um acordo com o governo estadual, os dois grupos ainda continuam sem acordo e a crise de segurança continua.

Proibidos por lei de fazer greve ou de protestar, tudo começou com um pequeno grupo de 10 mulheres que se reuniram em frente ao Destacamento da Polícia Militar (DPM) do bairro Feu Rosa, na Serra, em Vitória. Estas pediam reajuste salarial;  reposição da inflação; adicionais insalubridade, periculosidade e noturno, entre outros benefícios não concedidos aos militares do Espírito Santo e impediam a saída dos policiais para o trabalho. Mas, mesmo após uma reunião com o governo capixaba, no quinto dia de protesto, tudo continuou igual.

Sem os policiais na rua, uma onda de crime atravessou pelas ruas da cidade de Vitória, trazendo consigo mortes, estupros e assaltos. Na última semana, mais de 121 mortes foram registradas e inúmeras lojas foram saqueadas. Como relata o psiquiatra Daniel Martins de Barros, na sua coluna do Estadão: “Na ausência de punição – com a polícia fora das ruas – comportamentos como furtos passam a ser aceitos. Aparentemente ignora-se a convenção sobre não roubar, que independente de punições existe porque alguém é prejudicado por tal atitude”. Moradores têm-se escondido dentro de suas casas e expressado seu medo por meio de redes sociais, junto com sua inconformação com a falta de cobertura de mídia em relação à crise. Ainda assim, o governo federal mostrou que está ciente dos acontecimentos no estado, enviando mais de 3.000 militares para tentar controlar a situação.

A crise reflete apenas outra característica da sociedade brasileira: sua pré-convencionalidade. O ser humano não nasce sabendo logo de cara o que é certo e o que é errado; para isso, é preciso passar por um processo de amadurecimento. Como explica também o psiquiatra Daniel Martins, há três etapas para esse amadurecimento: a pré-convencional, quando a criança só entende o que é certo ou errado a partir de elogios e broncas; a convencional, quando passamos a nos pautar pelas leis; a pós-convencional, quando existe uma ética essencial, que determina o que é certo e que nem sempre está corretamente traduzida nas leis. Às vezes, as leis estão erradas. Porém, a situação no Espírito Santo apenas ilustra uma realidade: o brasileiro ainda está preso à fase pré-convencional.

Vitória mostra que o brasileiro é incapaz de diferenciar, por si próprio, o que é certo e o que é errado. Mesmo tendo aprendido desde criança que crimes óbvios, como roubar e matar, são errados, basta eliminar a punição que a população sai às ruas e faz tudo o que sempre soube que é errado. Num momento de crise, ao invés de ajudar ao próximo, fazemos parte de uma nação individualista, que só olha pro próprio umbigo. Algo que se exibe, também, com o fato de que, ao invés de chegar a um acordo e conceder aos PMs capixabas os direitos que apenas eles não possuem, o governo indiciou mais de 700 policiais, que, caso sejam condenados, podem pegar de 8 a 20 anos de detenção.

Segundo o governo capixaba, o reajuste proposto é impossível de ser dado e a capacidade de diálogo com os PMs já se esgotou. Porém, graças às Forças Armadas, que cumpriram sua promessa de que “a ordem e segurança estarão de volta”, a PM voltou a trabalhar na última segunda-feira. Porém, por mais que a crise de segurança no Espírito Santo tenha acabado, a crise mais perigosa ainda permanece: se sem o policiamento partimos às ruas como animais famintos, ainda há muito chão para cobrir antes que a solidariedade e a convencionalidade nos estabeleçam como uma nação de verdade.

Fontes: Estado de São Paulo, G1 Notícias, Folha de São Paulo, Quebrando o Tabu