Futebol e política não se discutem?

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Futebol é o esporte mais jogado do mundo e as pessoas que o jogam não poderiam ser mais diversas em termos de cor, de gênero e de classe social. Mas, a maior divergência entre as torcidas não está nas aparências, e, sim, na política. Muitos clássicos do futebol são acirrados no momento em que algum aspecto político passa a ser associado com este ou aquele time. 

Por exemplo, o maior embate esportivo da história da Escócia é dos Celtics contra os Rangers, mas a rivalidade não é somente sobre preferência de time. A rivalidade vai muito além das quatro linhas: ela leva em conta as preferências políticas divergentes das duas torcidas. A torcida do Celtic, majoritariamente, é católica, separatista (do Reino Unido) e vota majoritariamente no Labour Party. Em contrapartida, a torcida do Rangers é majoritariamente protestante e vota no SCUP (Partido Conservador).

A política também aparece na rivalidade mais clássica da Alemanha: Schalke 04 contra Borussia Dortmund. De novo, a divisão pela religião é vista: o Schalke foi fundado por protestantes e o Dortmund, por cristãos. Porém, a rivalidade do conflito foi acirrada sob o comando nazista da Alemanha. Hitler associou os Azuis Reais, a cor do Schalke, ao nazismo, por ser o maior time alemão à época, o que seria uma demonstração da união do povo alemão. O Dortmund, por outro lado, assumiu a oposição e há relatos de que os dirigentes do clube possam até ter sido presos pelo regime hitlerista. Essa polêmica reverbera até hoje, mas a associação ao nazismo não significa que os torcedores atuais o defendam.

No último dia 9 de maio, um grupo de algumas dezenas de torcedores do Corinthians se reuniram em uma aglomeração na Avenida Paulista, no mesmo horário e no mesmo local em que estava programada uma manifestação de apoio ao governo Bolsonaro. Os Corinthianos estavam lá, contrariando as normas de distanciamiento social, para manifestar repúdio ao atual governo. Danilo Passaro, um dos organizadores da manifestação alvinegra, disse: “(…) [o grupo de corinthianos] é o mesmo grupo que tem se reunido para entregar marmitex e cestas básicas” em um artigo do site “Meu Timão”, de nome “Grupo de torcedores do Corinthians faz manifestação a favor da democracia na Paulista”. Essa manifestação é coerente com o posicionamento da maior torcida organizada do Brasil, a Gaviões da Fiel, a qual pertencem alguns dos manifestantes ali presentes, já que, em 2018, Digão, presidente da Gaviões à época, afirmou que “Gavião não vota em Bolsonaro” e, também, que ele “como presidente da Gaviões, tenho que passar [para a torcida] o que a gente carrega na nossa ideologia dentro desses quase 50 anos de história”. Depois, Digão continuou a falar sobre a histórica opressão que os fundadores da Gaviões sofreram por levantar a “bandeira da democracia” durante a ditadura militar e disse que, no período de sua fundação, a Gaviões tinha como principal objetivo derrubar um ditador dentro do próprio clube. Digão também disse que Bolsonaro “vai contra todas as nossas ideias, joga no lixo nosso passado de muitas lutas”. Ele também diz que ser da Gaviões não é somente sobre gostar do Corinthians, mas sobre ser coerente com os ideais do clube. 

Raí, ídolo e atual diretor-executivo de futebol do SPFC, irmão do ídolo corintiano Sócrates, expressou sua opinião, algumas semanas antes. Ele também criticou como Bolsonaro e outras figuras políticas não têm levado em consideração a situação que a pandemia do coronavírus está causando para a população. O vencedor do Mundial de Clubes de 1992 expressou sua indignação com aquele comportamento, mas disse que vê a democracia brasileira com positividade, por causa do repúdio expressado por figuras públicas e por lideranças dos demais Poderes. Dias depois, Caio Ribeiro, também ex-jogador do SPFC, repudiou o ato político do dirigente e pediu a Raí que se limitasse a falar somente sobre futebol. Casagrande, ex-jogador do Corinthians, por sua vez, comentou que Caio Ribeiro tentou “censurar o que a outra pessoa está falando” e adicionou lenha na fogueira naquela discussão.

Essas situações evidenciam os claros laços entre política e futebol que estiveram por aí desde quando foi criado este lindo esporte. As posições políticas sempre andaram de mãos dadas com o futebol, e vice-versa. Porém, tanta polêmica poderia ser evitada se as pessoas respeitassem umas às outras, tanto na posição política, quanto na preferência futebolística.