“Política: pensamentos políticos divergentes e suas capacidades distintas”

“Política: pensamentos políticos divergentes e suas capacidades distintas”

A pandemia da COVID-19 exacerbou os méritos e deméritos de cada tipo de governo — especialmente em tempos de crise — e, até certo ponto, de diferentes povos também. A ideia de que cada tipo de governo  serve a um propósito distinto foi apresentada a mim no livro “Três mil anos de política”, escrito por José Luiz Alquéres. Ele apresenta vários pensadores da antiguidade, do Ocidente ao Oriente, e os compara e contrasta, achando, também, os motivos pelos quais cada sociedade distinta é governada de sua maneira particular. 

No Oriente, e com isso quero dizer Ásia, assentaram-se vários impérios de proporções gigantes, especialmente na China, Índia, Crescente Fértil (Mesopotâmia) e no Egito. Estas, com necessidades burocráticas e organizacionais maiores, acabaram por se organizar em estados mais autoritários. Na China, os ensinamentos de Confúcio ainda prevalecem fortemente. A noção de que há de existir uma classe, definida por requisitos socioeconômicos, que é educada para governar, por exemplo, ainda é muito presente. Priorizar o bem coletivo acima do benefício individual, a obediência sem exceção aos superiores e a existência de castas sociais são regras dominantes no país. Mozi, que atua logo após Confúcio, ainda no século V AC, é outro pensador Chinês que transformou a política do seu Estado. Ele prezava muito pela meritocracia e pela ascensão dos cidadãos mais aptos e virtuosos às posições de alto escalão de serviço público. Isso fez com que a máquina burocrática chinesa, desde os tempos da antiguidade, fosse repleta dos mais bem educados e preparados membros. O resultado é uma sociedade muito estratificada, mas altamente coesa e obediente, tornando-a mais fácil de controlar e de governar durante uma crise. Prova disso foi a forma com que a China lidou com a pandemia, ‘achatando a curva’ mais rapidamente que em qualquer outro país, ao ponto de, em Abril passado, já estar sob controle do vírus e podendo retomar aspectos da vida pré-pandêmica. A ideologia de que o bem das massas é mais importante que a felicidade individual fez com que as medidas do governo fossem seguidas à risca. A forma de governo, mais autoritária e centralizada, também facilitou uma resposta mais rápida, organizada, e coesa. 

Isso não quer dizer, claro, que sistemas autoritários, sejam eles monárquicos, aristocráticos, ou oligárquicos, sejam a organização política mais efetiva. Na China, por exemplo, sempre houve um ‘homem-forte’ no poder e isso fez com que o culto à personalidade virasse comum. Com isso, o país tende a ser mais sujeito à corrupção. A tendência é que países com regimes autoritários sofram de nepotismo e com a restrição de liberdades individuais, como está acontecendo com os muçulmanos Uigures, no oeste do mesmo país asíatico. 

Na Europa, porém, vimos o contrário, com Estados mais democráticos sendo formados na mesma época de Confúcio (Século V AC). À época, as civilizações já organizadas em polis, ou cidades, eram restritas à bacia do Mediterrâneo, especialmente na Grécia. Platão, pensador grego contemporâneo de Confúcio, definiu o Estado como inibidor da liberdade individual, liberdade que deve ser buscada independentemente para criar uma combinação, junto ao Estado, de ordem e de liberdade. Há 2500 anos, o pensamento político ocidental já se revolvia em volta da liberdade do indivíduo. Aristóteles, outro filósofo grego, enxergava formações políticas como verdadeiras, governando para o bem comum, ou corruptas, governando por interesse próprio daqueles em poder. Ele caracterizava a democracia como corrupta, já que, embora exacerbasse a liberdade individual, ela acabava sendo vítima dos demagogos que a administravam. O pensamento político democrático é focado no debate e na discussão, para se achar o que é melhor. Muito dessa noção e desse gosto pela democracia se criaram pois o território do Mediterrâneo antigo era fracionado em várias Cidade-Estados, com necessidades, individuais e coletivas (de governo), muito menores que as de um império, proporcionando esse clima de debate, pois os resultados seriam aplicados em áreas geograficamente menores. Como na China contemporânea, vemos a presença de pensamentos políticos antigos na política atual. Um ótimo exemplo deste fenômeno é a resposta à pandemia por parte dos cidadãos dos Estados Unidos, onde houve um feroz debate sobre o que o governo poderia exigir deles, incluindo o uso de máscaras e o fechamento de restaurantes, escritórios, e clubes. O governo federal também fez pouco para conter o vírus, preferindo delegar responsabilidades para os níveis estadual e municipal, diminuindo a quantidade de coesão necessária para se sobressair diante de um adversário tão perseverante. A noção ocidental de que o governo não pode, em hipótese alguma, restringir a liberdade do indivíduo colaborou para o número imenso de casos e, consequentemente, de mortos. Vemos que, em tempos de crise, o egoísmo do indivíduo ocidental pode custar caro para sociedade, especialmente no sistema contemporâneo de nações hiper-conectadas, e não Cidade-Estados. 

Por fim, gostaria de levantar o conhecimento de mais um pensador da antiguidade e conectar seus ensinamentos à política brasileira. O pensador em questão é Kautilya, indiano que viveu entre os séculos IV e III AC, e que formalizou vários dos pensamentos seguidos pelos Nandas e os Mauris. Ele afirmava que o governante, neste caso o Soberano, teria sempre qualidades pessoais intrínsecas, e estabeleceu que “governar é uma arte a ser estudada e aprendida na universidade”(p.46). Neste ponto ele se refere aos ministros e a outros servidores públicos que servem ao Soberano. Kautilya enfatizava a importância do “estudo e preparo específico” na preparação para integrar um governo, longe do ideal ocidental de que basta ser justo, ético e representativo para se tornar político (p.46). Agora, como isso se relaciona à política brasileira? São raros os políticos com qualquer formação relevante para tal emprego, que tenham conhecimento de Políticas Públicas, Economia, Direito ou, até, Administração. Essa falta de preparo leva a pouca sabedoria quando se trata de assuntos como orçamento, legislação, ou restrições governamentais, e contribui para a falta de liderança que vemos no nosso cotidiano político. 

Política é algo muito complicado e que cada sociedade molda a seu bel-prazer com o objetivo de satisfazer suas necessidades como comunidades. Não devemos julgar um sistema ou uma ideologia sem antes conhecer sua origem e o contexto para tal formação, até porque vemos como sistemas diferentes conseguem enfrentar obstáculos distintos com melhor ou pior êxito. A formação política ‘correta’, do ponto de vista de Alquéres, e meu, é aquela que traz prosperidade e progresso, que mantém o equilíbrio entres os governantes e governados, com alto nível de tolerância.