Por que Pulp Fiction é tão famoso?

Imdb: https://www.imdb.com/title/tt0110912/

Imdb: https://www.imdb.com/title/tt0110912/

O segundo longa de Tarantino é definitivamente um dos melhores filmes já produzidos em toda a história do cinema. Repleto de humor negro, de violência banalizada, de diálogos extensos, em uma narrativa não linear e um roteiro simplista são justamente o que deixa essa obra pulp no topo da sétima arte. O sucesso do filme vem justamente da despretensão do roteiro, desprovido de uma lição de moral; o intuito é apenas contar uma história de modo não convencional exibindo tudo o que cinema e o entretenimento  têm de melhor. 

Alguns acusam Tarantino de Pulp Fiction ser uma cópia de filmes produzidos anteriormente.  Entretanto, o que esquecemos é que, na natureza e na arte, nada se cria; tudo se transforma. Um diretor conseguindo expor suas ideias indiretamente com tanta liberdade só mostra sua bagagem cultural invejável, aumentando a qualidade do filme. As referências presentes são diversas, mostrando, também, o gosto do diretor. Elas vão de Western a Estética Noir, passando por Marilyn Monroe e Zorro, dos diversos pôsteres nas paredes enquanto duas personagens jantam no Jack Rabbits.

Pulp Fiction – conhecido no Brasil como Tempo de Violência – introduz, de maneira não linear, três histórias distintas que se intercalam em uma narrativa circular no final. Assim, através de um recurso chamado analepse, o prólogo se conclui apenas no epílogo.

A primeira história é a de Vincent Vega e Jules Winnfield (personagens centrais) indo acertar a conta com o homem que tentou passar a perna em seu chefe, Marsellus Wallace. Após o desenrolar da situação, precisam dar um jeito de limpar o carro, desovar o corpo e sair da situação em que violentamente se meteram. A segunda história é a de Butch, um boxeador velho demais para continuar em atividade, que aceitou perder uma luta após receber dinheiro do já citado Marsellus. Entretanto, ele vence a luta não cumprindo o combinado e tem de fugir de Marsellus. Por ironia, o acaso acaba os colocando lado a lado em uma situação que envolve sadomasoquismo e katanas. Por fim, a terceira história é sobre Vincent tendo de lidar com a tarefa de divertir a mulher do seu chefe, enquanto este está fora da cidade. O que era para ser algo tranquilo entre Mia e Vincent, recheado de flertes e tensão sexual, acaba por se tornar um grande problema quando Mia Wallace tem uma overdose.

As histórias simples são um dos principais pontos fortes de Pulp Fiction, um tipo de filme que diverte despretensiosamente, recorrendo ao uso de artifícios engenhosos, como o modo em que os eventos aparecem e se sucedem, ou pelas sequências longas com ângulos criativos e planos bem fechados, dando ênfase em expressões faciais em diálogos comuns. Por outro lado, a ação fica em segundo plano e a cara das personagens em primeiro, criando uma atmosfera tensa para cada cena. Isto, somado à trilha sonora, estabelece o que está por vir (para dizer muito sobre a situação e as personagens) e reforçar o que estamos vendo.

Um exemplo disso ocorre na famosa cena de Mia e Vincent dançando. A cena retrata a descontração de Vincente e a personalidade de Mia e a música dançada, You Never Can Tell, antecipa a situação em que eles estão para se meter: não podendo contar a ninguém. 

Mesmo não sendo a primeira obra que recorre a uma edição não convencional, nem a uma narrativa não linear, motivo das críticas que chamam Tarantino de imitador, esses elementos são fundamentais para a trama, permitindo que o diretor brinque com as expectativas do público, mantendo-os presos à narrativa. A história que se torna interessante à medida em que acontecimentos totalmente inesperados vem à tona, como um casal conversando em uma lanchonete ou dois amigos conversando em um carro (não contarei os  elementos imprevisíveis, pois estes deixam o filme orgânico e espontâneo).

https://www.miramax.com/movie/pulp-fiction/

O filme é repleto de longas conversas nas quais as personagens beiram a divagação, mas sem fugir do ponto em assunto trivial  (traço notável de Tarantino), como descrições minuciosas de um fato, uma personagem ou um pensamento. Jules e Vincent têm cenas marcantes por causa disso: informações fúteis que recebem uma dose considerável de destaque para dar relevância aos diálogos. Logo no começo do longa,  a dupla discute, com afinco, sobre uma massagem nos pés ter ou não conotação sexual. Isso dá às cenas uma veracidade única, aproximando do caricato pelo absurdo da conversa com um toque preciso de realidade.

Por fim, o humor negro e a violência são elementos cruciais e constantes no filme. Os momentos engraçados não são intencionais, mas são engraçados pela sinceridade presente na cena. Mia vai ao banheiro alegando que precisa passar pó no nariz. Pequenas nuances de ambiguidades, como esta nas falas, dão graça ao filme. A violência não é minimizada nem glamourizada, tendo um exagero gráfico, mas ainda com um vínculo com a realidade.

Pulp Fiction se refere a revistas feitas com papel barato, fabricadas com a polpa de celulose, que ganharam notoriedade na década de 1920. Essas revistas continham história dedicadas ao gêneros noir, fantasia e ficção científica, em que a violência gráfica era valorizada. Não obstante, o  termo é usado para descrever obras de baixa audiência ou absurdas. Entretanto, o filme de Tarantino é uma genial revista pulp em movimento.

Se por um lado quase nada faz sentido no roteiro, o filme mostra a quintessência da arte do cinema. Para quem quer apenas se divertir ou começar a entender mais sobre o universo cinematográfico, no qual a história e o roteiro não são os únicos fatores relevantes, Pulp Fiction é o filme ideal.